
Por Elísio Barbosa – Jornalista Investigativo
Há histórias que a gente não acredita nem vendo o papel timbrado. A minha é dessas. Começou lá atrás, em 2009, quando comprei, com toda a formalidade possível, quatro imóveis no Ceará. Escritura pública registrada, testemunhas presentes, impostos pagos. Fiz tudo como manda o figurino. Cartório, na época, era sinônimo de segurança, afinal, quem duvidaria de um carimbo e uma assinatura em papel oficial?
Os anos passaram, e a vida seguiu. Até que um dia, por acaso, soube que os imóveis que comprei estavam, de novo, no nome de outra pessoa. E o mais surpreendente: uma escritura teria sido lavrada em 2003 — seis anos antes da minha compra — e só apareceu no mundo em 2025. Parece mágica, mas é golpe.
Fui atrás dos papéis e descobri que o tal documento nasceu no cartório de Saboeiro, um lugar pequeno, mas com uma história grande de confusões. O tabelião? Afastado e foragido. A escritura? Sem a assinatura da vendedora. Mesmo assim, o cartório de Fortaleza, a capital, validou o papel como se estivesse tudo em ordem. É ou não é surreal?
Enquanto isso, quem aparece como “dono” dos imóveis é o namorado da herdeira da antiga proprietária, a mesma herdeira que, anos antes, já tinha assinado um termo me passando todos os direitos. Aí a gente entende: quando a má-fé se junta à falta de fiscalização, o resultado é uma bomba-relógio no bolso e na confiança de qualquer cidadão.
Eu, que acreditei na força da lei e na seriedade dos cartórios, hoje vejo que o papel não vale mais que a assinatura que falta. A escritura que nunca existiu virou o símbolo da fragilidade de um sistema que deveria proteger o cidadão, mas que anda permitindo o contrário: a insegurança jurídica, o medo de ser enganado, o risco de perder o que é seu, mesmo com tudo registrado.
Por isso, escrevo esta crônica como um alerta.
O que aconteceu comigo pode acontecer com qualquer um. Basta um carimbo frouxo, um cartório desatento e alguém disposto a trapacear.
No Brasil, a gente ainda precisa aprender que confiança é um bem tão valioso quanto à propriedade e, quando ela se perde, ninguém sabe quem é o verdadeiro dono de nada.
Voz da denúncia
Quando um cidadão comum descobre que seu imóvel foi transferido sem sua assinatura, o primeiro sentimento é incredulidade. O segundo é revolta. O terceiro, um senso de dever. Foi assim comigo. Depois de perceber a gravidade do que aconteceu e de entender que o problema não era apenas meu, decidi agir como jornalista, mas também como cidadão.
Não bastava apenas contar a história, era preciso levá-la às instâncias certas. Assim, protocolei uma denúncia formal na Corregedoria-Geral da Justiça do Estado do Ceará, revelando um esquema que fere o coração da fé pública e expõe uma fragilidade preocupante no sistema de registros imobiliários.
No documento, relatei com detalhes o que vivi: a falsa escritura lavrada no 1º Ofício de Notas de Saboeiro, uma cidade onde jamais pisei; e o registro irregular no 2º Ofício de Imóveis de Fortaleza, que aceitou o papel como se fosse legítimo, mesmo com um Processo Administrativo Disciplinar (PAD) já aberto contra o cartório de origem. Tudo isso em plena vigência de um sistema que deveria garantir segurança e confiança aos atos notariais.
Mas o que mais choca é perceber que caso não é isolado. A reportagem “Quando o cartório falha”, que ajudei a construir, já apontava essa distorção: cartórios do interior funcionando de forma irregular na capital, lavrando documentos e abrindo firmas sem o devido controle. Um deles — o mesmo 1º Ofício de Saboeiro — já havia sido citado em outra denúncia, por abrir firma de uma vendedora sem sua assinatura. Agora, o mesmo nome volta a aparecer, como se o passado insistisse em se repetir.
Minha denúncia não é apenas uma tentativa de reaver o que é meu, é um pedido por justiça. Peço que os cartórios envolvidos sejam investigados, que os responsáveis sejam punidos e, principalmente, que a fé pública seja restaurada. O Brasil precisa voltar a confiar em seus registros, porque um país que duvida de seus papéis duvida também de suas próprias leis.
No fundo, o que mais me preocupa é o cidadão comum; aquele que acredita que um carimbo basta para garantir sua paz, é suficientemente válido. É por ele que sigo denunciando, escrevendo e resistindo. Porque quando o cartório falha, não é só um papel que se perde: é a confiança de todo um povo que se rasga junto.
E essa história ainda não termina aqui.
Outras reportagens virão, novos artigos e crônicas serão escritos — não por vaidade, mas por convicção. São as armas legítimas que tenho, dentro da democracia, para lutar por justiça e fazer ecoar a voz de quem não tem o braço forte do Estado a seu favor.
Escrevo por todos os que foram silenciados pela burocracia e pela impunidade. Porque quando a palavra se cala, a injustiça se fortalece. E enquanto eu tiver voz, ela será usada para exigir o que é de direito — com verdade, coragem e fé na força da lei.
